Tanatofobia
Tanatofobia. Eu desconhecia essa palavra, que significa medo irracional e persistente da morte, até lê-la em uma publicação do Instagram.No mesmo dia, eu estava almoçando em um restaurante com meu marido, e ele comentou comigo: “A gente vê o quanto a vida passa rápido quando tem um filho.”Ele refletia sobre nossa filha já estar entrando na adolescência e o tempo que ainda, possivelmente, nos resta. Eu respondi: “É verdade, mas também o quanto a vida pode ser lenta e dolorosa se a gente perde um.” Reconheci ali um velho conhecido acenando para mim: o medo damorte.Desde muito nova, lembro dessa assombração. “E se a minha mãe morrer?” Mas o medo não era apenas sobre a morte dela. Era sobre a morte de todas as pessoas que eu amo e também sobre a minha. “Para onde eu vou? Será um breu profundo e solitário?”Aos meus seis anos de idade, a minha bisavó morreu. Lembro do velório, a família toda reunida. Eu e meus primos, uma verdadeira gangue com umas vinte crianças, correndopelos corredores do memorial, local onde ela foi velada, rompendo o silêncio fúnebre da morada dos mortos.Meus pais, tios, tias e até mesmo a minha avó materna, que acabara de perder a mãe, estavam fraternos e calorosos. Eles celebravam, com lágrimas nos olhos e sorrisos nosrostos, o legado que aquela mulher forte e amada por todos deixou ao longo dos seus 94 anos de vida.Lembro de minha mãe me contando sobre o último suspiro da dona Odúlia. A imagem que tenho do seu relato é de um sopro com som de adeus e brisa de paz. Ela estava cercada por pessoas que a amavam. A morte mais parecia um portão de embarque que se abria para uma incrível jornada que já se anunciava há tempos. Era impossívelimaginar que algo de ruim aconteceria a ela a partir dali. E do lado de cá, o seu corpo cansado já pedia trégua.Contando desta forma, a morte parece tão natural como o dia e a noite. E talvez seja, quando acontece como um espetáculo da força da natureza. Onde, após um amanhecer ensolarado, vivenciamos um dia radiante e contemplamos o pôr do sol, sem temer a escuridão que se anuncia.Mas uma vida interrompida é como ver o dia virar noite, repentinamente. Isso sim é assombroso.Foi como ocorreu com Marília. Eu não me recordo de nossos momentos, mas alguns registros fotográficos da minha infância trazem uma vaga lembrança dessa nossa amizade. O que tenho em minha memória é a tristeza e a melancolia que adentrou o prédio da minha avó e os corredores de passagem onde as crianças brincavam sobre o chão de caquinhos vermelhos e a vizinhança se encontrava.Marília faleceu atropelada na frente dos pais, em um terrível acidente.As poucas vezes que cruzei com seus familiares, não vi pessoas inteiras. Parte delas havia morrido também.Ainda na minha primeira infância, outra morte trágica de uma criança: a filha do amigo do meu pai, uma menina de uns seis anos de idade, morreu em um acidente doméstico.Eu não a conhecia, mas o acontecimento deixou meus pais extremamente abalados e muito preocupados. Ficaram em estado de alerta com vasos sanitários e diziam a mim e ao meu irmão, repetidas vezes: “Não se balancem, não subam e não brinquem em privadas.”Porém, nada foi igual ao que eu senti quando soube da morte do Daniel.Eu não tinha nem perto de dez anos, mas tinha a certeza de que eu ia me casar com ele.Lembro de brincarmos na área da piscina do camping onde nos conhecemos. Eu era muito criança e ele um garoto mais velho que eu, muito gentil e atencioso. Sua imagemnão tem forma nas minhas lembranças. Daniel é uma sensação boa. A sensação do ventono meu rosto enquanto eu brincava de correr atrás dele. Aquilo devia durar alguns minutos, mas ficava como um looping dentro de mim.E se casar era passar o resto da vida com alguém, um garoto tão legal era perfeito para casar comigo. Mas isso era só um sonho de criança que foi embora junto com a notíciade sua morte.Não era para eu escutar, mas naquela época a gente já ficava esperto na conversa dos adultos. E foi assim, de supetão, que eu soube sobre o incidente com uma colmeia deabelhas, onde ele foi atacado e não sobreviveu.Chorei muito e depois mais um tanto quando assisti no cinema “Meu primeiro amor”.Acho que a canção "MY GIRL", tema do filme, foi a minha primeira música de fossa.Depois dessa sequência de eventos fatais envolvendo crianças na minha infância, a morte deu um descanso.Era a minha adolescência e eu só queria me divertir. Ocupava meu tempo com escola, amigos, baladas e as expectativas de um futuro. Mas quando eu deitava a cabeça notravesseiro, o fantasma da morte voltava. A conta não fechava e nem os meus olhos. Eu perdia o sono pensando: “E se eu morrer dormindo? E tudo que ficou para amanhã?Onde vou acordar?”Nada fazia sentido sabendo que tudo poderia ser interrompido abruptamente. Será queninguém parou para pensar nisso quando fez a jornada escolar, com apenas 20 minutos de intervalo? No final, todo mundo morre!